Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02353/14.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/03/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:REVERSÃO, PRESSUPOSTOS, FUNDADA INSUFICIÊNCIA DE PATRIMÓNIO, ÓNUS DA PROVA, DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I – A inexistência ou insuficiência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre.

II - A reversão em execução fiscal pode ser decidida contra os responsáveis subsidiários, mesmo sem o património do devedor originário ainda estar excutido, bastando que existam fundadas razões para se poder concluir que os bens penhorados ao devedor originário sejam insuficientes para pagar a totalidade da dívida.

III - As omissões, inexactidões ou insuficiência na instrução do procedimento de reversão são defeitos que atingem a própria reversão e como tal devem ser invocados em sede de oposição à execução, não podendo o tribunal substituir-se ao órgão de execução fiscal no que concerne ao ónus probatório que sobre este impende no sentido de demonstrar os pressupostos do direito a que se arroga, concretamente, o de reverter a execução contra o responsável subsidiário.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 30/01/2017, que julgou procedente a Oposição deduzida contra a execução fiscal n.º 3182200501097210 e apensos, instaurada originariamente contra “P., L.da, NIPC (…), para cobrança de dívidas respeitantes a IRC dos anos de 2004 a 2007, Retenções na fonte de IRS de Agosto de 2009 e IVA dos períodos 200612T, 200712T, 200812T e 200906T, e revertida contra M., contribuinte fiscal n.º (…), residente na Rua (…), na qualidade de gerente e responsável subsidiária, sendo a dívida revertida no montante total de €9.395,83 e acrescidos.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A. O princípio do inquisitório pleno e da obtenção da verdade material e os factos alegados na petição inicial elaborada pelo mandatário da oponente, presumindo-se a sua versão dos factos, a douta sentença recorrida devia ter fixado como provado, a insuficiência e mesmo inexistência de bens da devedora originária, veja-se o constante do articulado 40 da petição inicial, que aqui transcrevemos “acresce que a devedora originária P., Lda., nunca foi titular de património, não podendo a opoente ser responsabilizada pela insuficiente deste, uma vez que nunca existiu, para a satisfação dos créditos fiscais”
B. A confissão da oponente expressa no artigo 40.º da petição inicial de que a devedora originária nunca foi titular de qualquer património deve ser objecto de valoração e considerada como facto provado e erradamente não foi fixado como assente na douta sentença.
C. A falta de elementos, de património, de bens e de créditos penhoráveis do devedor originário apurada nos autos de execução fiscal pela AT e devidamente relatada nas informações deles constantes devia ter sido adequadamente valorada e provada, considerando que a AT cumpriu o ónus da prova que lhe competia.
D. A AT nunca poderia ter encontrado bens ou créditos penhoráveis da devedora originária, porque os mesmos nunca existiram conforme confissão da oponente, factos corroborados quer pela oponente quer pelas diligências de prova efectuadas pela AT a priori da citação.
E. Com acordo de ambas as partes quanto aos factos, os mesmos deviam ser dados como provados e ser alvo de um juízo de valoração com influência na direcção da sentença recorrida.
F. A prova por confissão legalmente admissível nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 115.º do CPPT, supletivamente aplicável por força do art.º 211.º, n.º 1 do mesmo diploma, e ainda no art.º 352.º do Código Civil, a mesma deveria ter sido objecto de uma correcta e adequada valoração em sede decisória.
G. Não houve qualquer inércia da AT, nas diligências de prova de inexistência ou insuficiência de património, as mesmas foram infrutíferas, pela sua mera não existência, quer de património, créditos ou bens penhoráveis.
H. Em conclusão, pelas razões acabadas de explanar, padece a douta sentença de erro de julgamento quanto à valoração da matéria de facto, devendo, em consequência, anular-se a douta sentença do Tribunal a quo.
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e prosseguir o processo para apreciação das demais questões invocadas.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se em analisar o invocado erro de julgamento de facto e de direito na apreciação da ilegitimidade da Oponente, quanto ao pressuposto da reversão no que concerne à fundada insuficiência do património da devedora originária para o pagamento das dívidas exequendas e acrescido.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
IV. 1) DE FACTO
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, considero provados os seguintes factos:
1. Pelo Serviço de Finanças de Porto 2, foi instaurado o processo de execução fiscal com o n.º 3182200501097210, em que é executada a sociedade “P.,, L.da”, com o NIPC: (…), tendo por base a certidão de dívida n.º 2005/456711, emitida em 24/11/2005, relativa a Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) do ano de 2004, no montante total de Eur 579,97, com data limite de pagamento voluntário em 26/10/2005 – cfr. informação do órgão de execução fiscal a fls. 4 a 6 e certidão de dívida de fls. 7, todas do processo físico;
2. Ao processo de execução fiscal identificado no ponto que antecede foram apensos os seguintes processos de execução fiscal:
a) n.º 3182200701008234, tendo por base a certidão de dívida n.º 2007/100351, emitida em 31/01/2007, relativa IRC do ano de 2005, no montante de Eur 269,06, com data de pagamento voluntário até 10/01/2007;
b) n.º 3182200901095218, tendo por base a certidão de dívida n.º 2009/1029037, emitida em 13/10/2009, relativa a Retenções na fonte de IRS do período de Agosto de 2009, no montante de Eur 30,00, com data de pagamento voluntário até 20/09/2009;
c) n.º 3182201001039385, tendo por base a certidão de dívida n.º 2010/444519, emitida em 09/06/2009, relativa IRC do ano de 2006, no montante de Eur 3.722,96, com data de pagamento voluntário até 12/05/2010;
d) n.º 3182201001044524, tendo por base a certidão de dívida n.º 2010/448262, emitida em 26/06/2010, relativa IRC do ano de 2007, no montante de Eur 2.480,58, com data de pagamento voluntário até 02/06/2010;
e) n.º 3182201001044990, tendo por base as certidões de dívida n.º 2010/102813, 2010/102814, 2010/102815, 2010/102816, 2010/102817, 2010/102818 e 2010/102819, emitidas em 28/06/2010, relativas a IVA dos períodos de 200612T, 200712T, 200812T e 200906T, no valor total de Eur 18.968,05, com data de pagamento voluntário até 07/06/2010;
f) n.º 3182201001049747, tendo por base a certidão de dívida n.º 2010/464936, emitida em 10/07/2010, relativa IRC do ano de 2007, no montante de Eur 2.306,65, com data de pagamento voluntário até 16/06/2010; - cfr. informação do órgão de execução fiscal a fls. 4 a 6 e certidões de dívida constantes de fls. 8 a 19, todas do processo físico.
3. Em 26/04/2013, no âmbito do processo de execução fiscal e seus apensos a que se alude em 1) e 2), foi pelo órgão de execução fiscal, prestada a seguinte informação:
Na sequência da notificação da reversão automática contra o responsável subsidiário M., com o NIF: (…), procedeu-se à sua notificação para efeitos do exercício do direito de audição prévia. (…) Em consequência e no exercício do direito previsto no n.º 4 do art. 23º da LGT não veio exercer o direito no prazo que lhe foi concedido”.
Mantendo-se os pressupostos legais dos quais depende a reversão da execução fiscal, cumpridas as formalidades exigidas por lei, estão desta forma reunidas as condições para se proceder à efectivação da responsabilidade subsidiária (…)” - cfr. Doc. de fls. 32 do processo físico.
4. Em 26/04/2013, foi proferido despacho, por funcionário com delegação do Chefe de Finanças de Porto 2, determinando a reversão da execução fiscal e seus apensos a que se alude nos pontos 1) e 2) supra, pelo valor total de Eur 9.395,83, do qual consta, como “FUNDAMENTOS DE REVERSÃO”, o seguinte:
Fundamentos de emissão central.
Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.º 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da Categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais.” – cfr. fls. 33 e 34 do processo físico.
5. Em 31/05/2013, foi remetida por correio registado com aviso de receção, citação em reversão com cópia da informação e do despacho de reversão a que se alude nos pontos 3) e 4), dirigida à aqui Oponente, com depósito no recetáculo postal domiciliário da Oponente em 03/06/2013, da qual no quadro relativo a “FUNDAMENTOS DE REVERSÃO”, consta o seguinte:
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n.º 2 da LGT):
Fundamentos de emissão central.
Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.º 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da Categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais.” (…)” – cfr. fls. 20, 21, 30 e 31 do processo físico.
6. Em 02/07/2013, foi apresentada no Serviço de Finanças de Porto 2, a petição inicial que deu origem aos presentes autos – cfr. informação do órgão de execução fiscal de fls. 4 a 6 e aposição no requerimento de fls. 25, todas do processo físico.
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Factos não provados
Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir.
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Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada relevante para a decisão da causa, resultou da análise conjugada dos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, assim como a prova testemunhal produzida.
Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova que à luz da experiência sedimentaram a convicção do Tribunal.
Os depoimentos foram livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 396.º do Código Civil, atendendo para tal efeito, à razão de ciência apresentada e as qualidades de isenção e convicção denotadas de cada uma das testemunhas inquiridas.
L., amigo do marido da Oponente, A., frequentador durante uns tempos do estabelecimento da executada originária e J., que foi namorado da filha da Oponente e chegou ajudar a Oponente à hora do almoço durante uns tempos no estabelecimento da executada originária, foram questionados à matéria de facto articulada nos pontos 26.º a 40.º da petição inicial.
Apesar dos depoimentos se revelarem claros e credíveis, as testemunhas não demonstraram ter conhecimento direto da situação concreta da sociedade devedora originária e da gestão da Oponente.
Na verdade, revelaram-se os depoimentos genéricos, centrados em meras conclusões de reflexos da crise económica porque passou o país e quanto à mudança de local no centro comercial onde se encontrava o estabelecimento, as testemunhas revelaram desconhecimento do ano em que tal aconteceu, não servindo então para formar qualquer convicção no Tribunal, designadamente no que respeita à gestão da Oponente, pois de nada serviram os depoimentos para esclarecer o Tribunal, por ausência de factos revelados.
Em suma, os depoimentos em causa mostraram-se vagos e imprecisos para que o Tribunal pudesse concluir como provado algum facto.”
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2. O Direito

Face às conclusões do recurso, a questão que importa apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito na apreciação da ilegitimidade do Oponente, quanto ao pressuposto da reversão no que concerne à fundada insuficiência do património da devedora originária para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
A Recorrente não se conforma com o julgamento “a quo” por ter desconsiderado a afirmação da Oponente, aqui Recorrida, constante do artigo 40.º da sua petição de Oposição.
O objecto do recurso, portanto, resume-se a um inconformismo com a decisão da matéria de facto, na medida em que a Recorrente defende que a sentença recorrida devia ter fixado, como provado, a insuficiência e mesmo inexistência de bens da devedora originária.
Sustenta a Recorrente que o constante do articulado 40.º da petição inicial encerra uma confissão da Oponente, aqui se transcrevendo: “acresce que a devedora originária P., Lda., nunca foi titular de património, não podendo a opoente ser responsabilizada pela insuficiente deste, uma vez que nunca existiu, para a satisfação dos créditos fiscais”.
Nestes termos, a Recorrente chama à colação o princípio do inquisitório pleno e da obtenção da verdade material e esta factualidade alegada na petição de oposição, elaborada pelo mandatário da Oponente.
Assim, nas suas conclusões das alegações de recurso, a Recorrente sustenta que a confissão da Oponente, expressa no artigo 40.º da petição inicial, de que a devedora originária nunca foi titular de qualquer património, deve ser objecto de valoração e considerada como facto provado e que erradamente não foi fixado como assente na sentença recorrida. Pretendendo demonstrar, assim, estar presente nos autos o pressuposto da insuficiência do património da devedora originária para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido, que nos processos de execução fiscal objecto desta reversão totaliza €9.395,83 e acrescido.
Considera, então, a Recorrente que, atenta a posição vertida pela Recorrida no artigo 40.º da petição inicial, tal facto deveria ser considerado provado, por confissão.
Nos termos do artigo 352.º do Código Civil (CC), “confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”. Atentando no n.º 1 do artigo 353.º do mesmo diploma, “a confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira”.
A confissão pode ser judicial ou extrajudicial (cfr. artigo 355.º, n.º 1, do CC) – cfr. a este respeito Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 541 a 542.
Dentro da confissão judicial, podemos discernir entre a espontânea (feita por livre iniciativa do confitente) e a provocada (feita em acto requerido pela parte contrária) – cfr. a este propósito a mesma obra citada, pp. 542 e 543, e José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 258.
A este respeito, chama-se à colação o artigo 356.º do CC, onde se faz justamente a distinção entre confissão espontânea e confissão provocada, referindo-se, no tocante à primeira, no seu n.º 1, que a mesma pode, designadamente, ser feita nos articulados.
Aponta-se, ainda, para o disposto no artigo 46.º do CPC, nos termos do qual:
As afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem rectificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente” - cfr., igualmente, o artigo 465.º do mesmo código.
Este meio de prova tem, pois, como pressuposto a afirmação ou confissão expressa de factos, desfavoráveis ao confitente.
Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/11/2010, proferido no âmbito do processo n.º 1902/06.6TBVRL.P1.S1, “a confissão, no plano jurídico-substantivo que é aquele no qual se insere sistematicamente o artº 352º do Código Civil, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual”.
Antes de mais, refira-se que o alegado pela Recorrida na petição inicial não respeita à Oponente, mas à sociedade devedora originária, não estando a mesma, neste processo, a actuar em nome e representação dessa sociedade P.,, Lda.
Por outro lado, o invocado no artigo 40.º da petição inicial – de que essa sociedade executada nunca foi titular de património e que este nunca existiu – é realizado no contexto da falta de culpa da Recorrida pela insuficiência do património, contemplando uma alegação muito vaga, que não contém qualquer detalhe factual. Salientamos ser essencial levar ao probatório factos simples, onde se concretizasse que património inexistente seria esse, pois lembramos que a penhora pode incidir sobre bens ou direitos.
A verdade é que, noutra fase processual, a Recorrida alerta para o facto de a dívida originária da sociedade executada ter sido de €42.829,56 e de apenas se ter revertido o montante de €9.395,83, apontando para a existência de bens/meios de pagamento da dívida, caso contrário, o valor dado à execução por reversão seria de €42.829,56.
Assim, no circunstancialismo em que a afirmação é efectuada no artigo 40.º da petição inicial fica a dúvida se a Recorrida não estaria somente a referir-se a bens imóveis, olvidando que também os stocks de mercadorias, por exemplo, integram o património da sociedade, enquanto bens móveis, bem como eventuais créditos. Acentuando-se que a sociedade devedora originária podia não ter bens e ter alguma liquidez ou não ter de todo liquidez, mas ter bens penhoráveis, designadamente, créditos, sem que se mostre claro o momento temporal em que a Recorrida afirma que o património nunca existiu, na medida em que somente releva o momento em que opera a reversão.
Em conclusão, não estamos perante uma confissão, pois o facto não se reporta à alegada confitente, à própria revertida, mas à devedora originária, falhando, desta forma, o pressuposto de eficácia, dado que a confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira. Por outro lado, estando a afirmação descontextualizada (no contexto em que é feita, não é desfavorável à suposta confitente – não podia ser responsabilizada pela insuficiência se a devedora originária nunca teve património) e afigurando-se pouco rigorosa (em resultado de outros elementos dos autos), não se conseguem extrair factos concretos passíveis de ser considerados provados por confissão (por exemplo, factos que permitam responder às seguintes questões: a devedora originária tinha bens e não tinha liquidez? Não tinha bens nem liquidez? Tinha liquidez? De que grandeza? Quais as responsabilidades? Em que momento temporal?).
Assim sendo, não se pode aqui apelar ao regime da confissão espontânea, ao contrário do que a Recorrente defende. Tanto mais que o despacho que determina a reversão declara como pressuposto da mesma a “insuficiência de bens da devedora originária” – cfr. ponto 4 da decisão da matéria de facto, e não a inexistência de bens.
Nesta conformidade, a decisão da matéria de facto mantem-se inalterada, mostrando-se, portanto, estabilizada.
Aqui chegados, não restam questões a tratar neste recurso, dado que a Recorrente coloca a matéria de direito na estrita dependência da alteração à matéria de facto por que pugnou, mas que não obteve sucesso nesta sede.
Pelo exposto, resta confirmar os termos em que julgou o tribunal recorrido, na parte recorrida, que seguiu e adaptou à situação em apreço o vertido em jurisprudência dos tribunais superiores.
Para melhor compreensão, transcrevemos parcialmente a sentença recorrida:
“(…) i) Da falta de demonstração pela AT da insuficiência de bens da executada originária
Alega a Oponente que inexiste fundamento para a reversão fiscal, sendo a executada revertida parte ilegítima, na medida em que ora do despacho de reversão, ora da informação que o antecede, nada é dito sobre a inexistência de bens penhoráveis do devedor principal ou mesmo da fundada insuficiência do património do devedor, como contempla o n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, cingindo-se a AT à mera declaração de insuficiência de bens pela situação líquida negativa declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES), a qual desde logo não significa que não tenha património mas tão só que o ativo é inferior ao passivo, não tendo, como tal, demonstrado ora a situação de insolvência a que também alude, ora a insuficiência de património para o pagamento da dívida exequenda.
A Fazenda Pública, por seu turno, alega que tal como tem sido entendimento firmado pela jurisprudência, face ao disposto no artigo 153.º, n.º 2 do CPPT, não é necessária a prévia excussão do património do devedor originário para que seja possível a reversão, desde que se encontre fundamentada a insuficiência de bens, como no caso em concreto a AT demonstrou através das diligências efetuadas que a executada originária não tinha património para satisfação da dívida exequenda e acrescidos, tal como afirmado pela própria Oponente no artigo 40.º da petição inicial.
Cumpre apreciar e decidir.
Como é entendimento uniforme e reiterado da Jurisprudência, o regime de responsabilidade dos gerentes e administradores pelas dívidas de impostos das suas representadas, afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que se verificam os factos geradores dessa responsabilidade – vide, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11/05/2011, proferido no processo n.º 02961/09, disponível em www.dgsi.pt.
Tal como se infere dos pontos 1), 2) e 4) do acervo factual assente, as dívidas em causa nos autos respeita a IRC dos anos de 2004 a 2007, Retenções na fonte de IRS de Agosto de 2009 e IVA dos períodos 200612T, 200712T, 200812T e 200906T, no montante total revertido de Eur 9.395,83, pelo que, é de aplicar o regime decorrente da Lei Geral Tributária (LGT) e Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, o chamamento à execução fiscal dos responsáveis subsidiários efetiva-se por meio do instituto da reversão, nos termos do que preceitua o artigo 23.º, n.º 1 da LGT.
Essa reversão contra responsáveis subsidiários “depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão” (cfr. n.º 2 do artigo 23.º da LGT).
Este preceito legal deve ser articulado com o n.º 2 do artigo 153º do CPPT, que estatui que “O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”.
Impõe-se, assim, que estes dois preceitos lidos em conjugação, condicionam a reversão à verificação a uma das seguintes situações: (i) inexistência de bens penhoráveis na esfera patrimonial do devedor originário; (ii) fundada insuficiência dos bens do devedor originário para satisfação da dívida exequenda.
Logo, verificando-se que os devedores (principal e solidário) não têm bens, o órgão de execução fiscal, pode e deve reverter imediatamente a execução contra os responsáveis subsidiários, pois nada há para excutir.
Quando existam bens, a lei não só exige uma “fundada insuficiência”, como fixa alguns critérios para se formular o juízo de insuficiência, ao mandar atender aos valores constantes do auto de penhora e outros elementos que a AT disponha.
Ou seja, o órgão de execução fiscal está vinculado a fazer uma investigação aprofundada sobre a existência de bens no património do devedor originário ou dos eventuais responsáveis solidários, e existindo bens, pode prognosticar-se que o produto da venda dos bens penhoráveis ou penhorados, não chega para liquidar a totalidade da dívida exequenda, não se exigindo então o cálculo com absoluta exactidão dessa insuficiência patrimonial, mas muito aproximado da insuficiência de tais bens.
Isto significa que o órgão de execução fiscal deve aferir a priori a insuficiência de bens do devedor principal e dos responsáveis solidários, permanecendo somente a dúvida sobre o exacto montante dessa mesma insuficiência.
Nesta sede, cabe então à AT o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários pela dívida exequenda, revertendo a execução contra eles, ou seja, cabe-lhe o ónus de provar que se verificam os pressupostos legais dos quais depende essa reversão, pela demonstração de que não existem bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles são fundadamente insuficientes para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
Ou seja, o ónus de averiguação e prova dos requisitos constitutivos do direito à reversão da execução, designadamente quanto à inexistência ou insuficiência dos bens do executado originário, não cabe ao responsável subsidiário mas, antes e em primeira linha, à AT.
E só ulteriormente, caso esta faça prova da verificação desses pressupostos, caberá ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens no património da devedora originária de que não haja conhecimento no processo, fazendo, assim, prova da ilegalidade do ato de reversão.
Assim decorre da lei e tem entendido a jurisprudência e a doutrina, citando-se a título de exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 13/4/2005, processo n.º 100/05; de 22/6/2011, processo n.º 167/11; de 16/5/2012, processo n.º 123/12; e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10/07/2015, proferido no processo n.º 08792/15 (todos disponíveis em www.dgsi.pt), e a nível doutrinal, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, p. 65 e ss.
Aqui chegados, urge então averiguar se, in casu, a AT demonstrou como se lhe exigia, a inexistência ou a fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora principal, condição determinante para a reversão da execução contra a responsável subsidiária, ora Oponente.
Perscrutada a matéria de facto dada como assente, e como dali resulta, fundamenta-se o despacho de reversão e a citação em reversão (cfr. pontos 4) e 5) do probatório) na “Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.”
Por sua vez, nada mais foi trazido aos autos pela AT, no que respeita a diligências efetuadas do que a informação que antecede o despacho de reversão, coligida no ponto 3) do acervo factual, a qual apenas refere que “Na sequência da notificação da reversão automática contra o responsável subsidiário M., com o NIF: (…), procedeu-se à sua notificação para efeitos do exercício do direito de audição prévia. (…) Em consequência e no exercício do direito previsto no n.º 4 do art. 23º da LGT não veio exercer o direito no prazo que lhe foi concedido.
Mantendo-se os pressupostos legais dos quais depende a reversão da execução fiscal, cumpridas as formalidades exigidas por lei, estão desta forma reunidas as condições para se proceder à efectivação da responsabilidade subsidiária (…)”, ou seja, em ponto algum alude a quaisquer diligências de averiguação efetuadas pela AT no âmbito do processo de execução fiscal na tentativa de apurar da existência de bens penhoráveis da executada originária.
Assim, dos termos em que constam da matéria assente, suportou-se apenas a AT na conclusão de que os bens da devedora originária, são insuficientes pela circunstância da devedora originária, na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (não referindo porém a que ano a mesma respeita), a devedora originária ter declarado uma situação liquida negativa, mais se suportando, em forma alternativa (“e/ou”) em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Ora, preliminarmente refira-se que a AT configura a informação fáctica da averiguação da insuficiência de bens da devedora originária, em forma de alternativa, o que se transparece desde logo a falta de cuidado na averiguação em concreto da existência ou não de bens penhoráveis da devedora originária, deixando em aberto a escolha dos factos que se presumem como reunidos – ora a situação líquida negativa, ora a insolvência declarada pelo Tribunal.
Porém, desde logo, a ter sido a devedora originária declarada insolvente pelo Tribunal, impunha-se à AT tal demonstração, sendo que além do mais, não se apurou sequer nos autos que a devedora originária tenha sido declarada insolvente, pelo que, daquela fundamentação de facto apenas podemos extrair a conclusão que a situação a que se alude em forma de alternativa se trata apenas de uma expressão utilizada em bloco vazia de conteúdo no caso em concreto.
Por outro lado, e no que respeita à dita “situação líquida negativa” decorrente da informação da declaração da IES apresentada pela devedora originária, temos que tal elemento não é suficiente para suportar a demonstração por parte da AT da insuficiência de bens da devedora originária para solver a divida exequenda.
Em termos contabilísticos, grosso modo, a situação líquida negativa de uma sociedade ocorre quando o passivo (que corresponde ao saldo das obrigações devidas) exigível é superior ao ativo (entendendo-se este, como o conjunto de bens e direitos que podem ser valorizados em termos monetários), ou seja, dito de outro modo, que considerando os recursos do ativo, em princípio não será possível o pagamento de todas as dívidas da sociedade.
Porém, tal não significa que a sociedade não tenha quaisquer bens penhoráveis, simplesmente que em princípio terá mais dívidas (passivo) do que ativo para as poder saldar e tão pouco que os bens eventualmente existentes serão insuficientes para pagamento das dívidas fiscais que aqui importam, tanto mais que perante os demais eventuais credores da devedora originária, goza a AT desde logo da celeridade da execução fiscal na penhora direta de quaisquer bens ou direitos no âmbito dos processos de execução fiscal (cfr. artigos 215.º e ss., do CPTT), bem como goza de privilégios mobiliários e imobiliários (cfr., por exemplo, artigos 736.º, 738.º, 744.º, 747.º, do Código Civil, 116.º do Código do IRC).
Assim sendo, baseando-se a AT na mera presunção de que a situação líquida negativa da devedora originária reflete uma eventual insuficiência de bens para solver a dívida exequenda e acrescidos, sem cuidar de diligenciar da existência ou não de bens penhoráveis, sendo que a dívida exequenda ora revertida ascende a € 9.395,83 (cfr. ponto 4) do probatório), não podemos concluir pelo preenchimento do pressuposto exigido, tanto mais que vindo a AT a fundamentar a reversão na insuficiência de bens, impunha-se quantificar, pelo menos de forma aproximada, tal insuficiência, o que não logrou fazer.
Ora, o que sucede então no caso dos autos é que não é dito rigorosamente nada sobre a existência de quaisquer bens da sociedade executada originária, o que não se poderá excluir à partida, pois perante uma alegada insuficiência de bens, resulta das regras da experiência comum que se deve averiguar da existência de bens móveis, stocks de mercadorias, imóveis, créditos sobre clientes ou sobre a própria AT, contas bancárias, etc.
Conclui-se então que o órgão de execução fiscal não cuidou de demonstrar ou de realizar as diligências que se impunham com vista à verificação e materialidade dos factos invocados na alegada insuficiência de bens da devedora originária em que fundamenta a reversão em causa nos autos, e tão pouco os quantificou.
Pois, para que a insuficiência se possa considerar demonstrada pela AT, “é necessário que os elementos em que assenta o juízo sobre ela permitam, em termos lógicos, retirar essa conclusão, o que, normalmente, exigirá que seja feita uma averiguação (por exemplo, não bastará concluir pela insuficiência o simples facto de o devedor originário não ser encontrado ou estar encerrado o seu estabelecimento, no momento em que se procura realizar a penhora” – cfr, Jorge Lopes de Sousa, in Op. Cit., Volume III, pp. 65-66.
Ora, face ao exposto, recaindo as diligências da AT apenas sobre a análise de uma declaração apresentada pela devedora originária relativa à sua situação líquida, sem descurar de saber da efetiva existência de bens penhoráveis, a considerar-se suficiente então o que a AT redigiu sobre o pressuposto previsto no n.º 2 do artigo 23.º da LGT e n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, seria esvaziar de conteúdo a palavra “fundada insuficiência”, que o legislador utilizou naqueles preceitos.
Alega a Fazenda Pública na contestação apresentada nos autos que das diligências efetuadas para apuramento da existência de bens penhoráveis em nome da devedora originária, concluiu-se “e com razão”, tal como afirmado pela Oponente no seu artigo 40.º da petição inicial, que a devedora originária não tinha património para satisfação da divida exequenda e acrescidos.
Porém, não podemos acolher tal alegação, desde logo, como já aludimos e resulta do probatório, o despacho de reversão não se fundamenta na inexistência de bens, mas outrossim na insuficiência de bens, acrescendo ainda a falta de diligências demonstrativas dessa alegada insuficiência por parte da AT, ónus que em primeira linha para demonstrar o preenchimento do pressuposto da responsabilidade subsidiária se lhe impunha.
Por outro lado, não obstante nos fundamentos atinentes à demonstração por parte da Oponente no que respeita à ausência de culpa na falta de pagamento da dívida exequenda, a Oponente alegar na petição inicial que a devedora originária nunca foi titular de património para a satisfação dos créditos fiscais (cfr. artigo 40.º da p.i.), não se pode inferir tout court de tal alegação pela inexistência total de bens penhoráveis, desde logo porque em sede de fundamentação da arguida nulidade de citação, a aqui Oponente também refere um pedido de compensação de créditos fiscais que em sede de IVA era titular (cfr. artigo 4.º da p.i.), créditos fiscais esses que a mesma como é bom de ver não engloba na alegada inexistência de património.
Pois, património, não obstante em sede de pessoas coletivas se entender como um conjunto de bens móveis, imóveis, créditos e outros rendimentos, é um conceito que por vezes, ditam-nos as regras da experiência comum, comummente é utilizado como referência a bens móveis ou imóveis.
Ademais, e como já fizemos referência, impunha-se que a AT, em preparação prévia da reversão demonstrasse comprovadamente a alegada insuficiência de bens em que se suporta, não o tendo no entanto, como já vimos, feito, pois a afirmação a que alude de “Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal”, desprovida de outras diligências existentes nos autos, assume, desde logo, um carácter generalista, ou seja, pode ser aplicada ou usada em qualquer processo de reversão pois é completamente vazia de conteúdo, no caso que ora nos traz.
Destarte, competindo à AT, através do seu órgão de execução fiscal, “demonstrar e fundamentar em termos lógicos a fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal para efeitos da reversão da dívida contra o responsável subsidiário, nos termos do art. 23.º, n.º 2 da LGT e art. 153.º, n.º 2, alínea b) do CPPT” (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 27/10/2016, processo n.º 09790/16, in www.dgsi.pt), não o tendo feito, como se evidencia da matéria de facto assente em juízo, apenas podemos concluir pela falta de demonstração do pressuposto exigido.
Concludentemente, não se mostra, por conseguinte, preenchido, um dos pressupostos para a efetivação da responsabilidade subsidiária da Oponente, o que determina a sua ilegitimidade para a presente execução fiscal, com a consequente procedência da Oposição. (…)”
Desde logo, impõe-se, realmente, reafirmar que o pressuposto da fundada insuficiência de bens tem de ser contemporâneo do despacho de reversão e não ocorrer em momento posterior.
Podemos, observar que, além das certidões de dívida, do modelo de citação (reversão) e do modelo de despacho (reversão), somente consta dos autos uma informação que aponta para uma reversão automática contra a responsável subsidiária, ora Recorrida, indicando que não exerceu o direito de audição prévia e que estariam reunidas as condições para efectivação da responsabilidade subsidiária – cfr. ponto 3 do probatório.
De facto, não existe qualquer documento que espelhe mandado e auto de penhora ou que dê conta de quaisquer diligências que tenham sido encetadas pela AT no sentido de apurar a existência de bens penhoráveis da executada originária.
Ressalta, assim, que não foram efectuadas pela AT quaisquer diligências no sentido de apurar o património da sociedade devedora originária e que o despacho de reversão proferido não é mais do que o que já consta do probatório no ponto 5., mostrando-se incorporado na própria citação para a reversão (fundamentos da reversão).
Nesta conformidade, tendo por base que foi iniciado um procedimento automático de reversão e que se encontram junto aos autos todos os elementos pertinentes integrantes do processo de execução fiscal, oportunamente enviados, resta concluir que se desconhece em que factos ou diligências se terá fundado a decisão de reversão, onde somente conclui pela insuficiência do património da devedora principal.
Naturalmente que a falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da reversão afectará esta não só se tais diligências forem obrigatórias (violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes, alegados pelo interessado, por insuficiência de prova de que a administração tributária poderia e deveria ter colhido (erro nos pressupostos de facto).
Acontece que as omissões, inexactidões ou insuficiência na instrução do procedimento de reversão, a existirem, são defeitos que atingem a própria reversão e como tal devem ser invocados em sede de oposição à execução. E foi isso mesmo que a revertida fez quando deduziu oposição à execução, sendo que o órgão de execução fiscal não cuidou de demonstrar que realizou as diligências que se impunham com vista à verificação da (in)existência de bens da devedora originária e a sua insuficiência na data em que operou a reversão (optando, antes, por se escudar em alegada confissão de inexistência de património, como vimos).
Neste contexto, estamos perante a impossibilidade de sindicar como foi determinada a declarada insuficiência de bens, que nem sequer se mostra quantificada, pois não nos são dados factos ou elementos que nos permitam concluir que na data da decisão de reversão existiria uma fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal.
Como se refere na sentença recorrida, considerar-se suficiente o qua a AT redigiu sobre este pressuposto - decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal, estar-se-ia a esvaziar de conteúdo a palavra fundada, que o legislador utilizou no n.º 2 do artigo 23.º da LGT – a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal.
Assim, os fundamentos da reversão vertidos no probatório, sem mais, assumem, claramente, um carácter generalista, ou seja, podem ser aplicados ou usados em qualquer processo de reversão, pois tal formulação é completamente vazia de conteúdo. Não olvidamos a presença de uma reversão automática, mas desmaterialização de actos processuais não significa inexistência desses mesmos actos e/ou sua falta de documentação, tendo, sim, que ver com o seu suporte (que será digital).
Ora, no caso concreto, não resultou demonstrado pela exequente que o património da devedora originária não integra bens penhoráveis, nem da sua fundada insuficiência para satisfazer a dívida tributária.
Nem se diga, como faz a Recorrente, apelando ao princípio do inquisitório que preside ao processo tributário (cfr. conclusão A), que tendo o órgão de execução fiscal alegado no despacho de reversão factos tendentes a demonstrar a insuficiência de meios da originária devedora para prover ao pagamento das dívidas fiscais existentes à data, se impunha ao Tribunal, ainda que oficiosamente (cfr. artigos 13.º do CPPT e 99.º da LGT), promover a produção de prova sobre os mesmos; uma vez que não pode o Tribunal substituir-se às partes no esforço probatório legitimador do direito a que se arrogam, in casu, o direito de reverter a execução contra o devedor subsidiário.
Considerando que as omissões, inexactidões ou insuficiência na instrução do procedimento de reversão são defeitos que atingem a própria reversão, não tendo o órgão de execução fiscal logrado cumprir o ónus probatório que sobre ele impendia, não pode o Tribunal substituir-se a ele na recolha dos elementos que legitimam a sua actuação – cfr. Acórdãos deste TCA Norte, de 09/06/2016, proferidos no âmbito dos processos n.º 882/15.1BEBRG e n.º 933/15.0BEBRG.
Destarte, não tendo a Recorrente, Fazenda Pública, demonstrado o pressuposto da reversão relativo à fundada insuficiência de bens da devedora principal e, consequentemente, revelando-se impossível determinar o “quantum” de responsabilidade da revertida, sempre a oposição teria que ser julgada procedente, conducente à conclusão de que a Recorrida é parte ilegítima nessa mesma reversão.
Assim, na improcedência de todas as conclusões do recurso, impõe-se negar provimento ao mesmo, não merecendo a parte recorrida da sentença qualquer censura.

Conclusões/Sumário

I – A inexistência ou insuficiência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre.
II - A reversão em execução fiscal pode ser decidida contra os responsáveis subsidiários, mesmo sem o património do devedor originário ainda estar excutido, bastando que existam fundadas razões para se poder concluir que os bens penhorados ao devedor originário sejam insuficientes para pagar a totalidade da dívida.
III - As omissões, inexactidões ou insuficiência na instrução do procedimento de reversão são defeitos que atingem a própria reversão e como tal devem ser invocados em sede de oposição à execução, não podendo o tribunal substituir-se ao órgão de execução fiscal no que concerne ao ónus probatório que sobre este impende no sentido de demonstrar os pressupostos do direito a que se arroga, concretamente, o de reverter a execução contra o responsável subsidiário.

IV. Decisão

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso.
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Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
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Porto, 03 de Dezembro de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira